sábado, 15 de janeiro de 2011

16/01/11                         Se expressar
a

    E, largando o papel e a caneta, decidiu que não escreveria mais um texto. Não se esforçaria para traduzir em frases articuladas aquelas idéias tão particulares, que faziam sentido tão só para quem havia vivido o contexto do começo ao fim. "Pessoas", pensou, "pessoas não aprendem nada através de raciocínios e teorias; no máximo, adquirem informações novas. Cada pessoa que se desloca sobre a Terra tem um universo próprio de questões, e não tem nenhum motivo para interessar-se por idéias distantes, cujo sentido não compreendem. Aprender tem a ver com a alma".

Ainda assim, queria se expressar de alguma forma. Experiências novas palpitavam no seu espírito, de uma forma tal que não conseguiria trancafiar tudo aquilo dentro de si. Sua compreensão havia se dilatado, graças àqueles novos pensamentos; tornou-se capaz de atribuir novo significado às coisas. No entanto, ciente de que, por mais eloquentes que fossem, suas palavras não estavam aptas para traduzir sentimento algum, optou por uma forma de expressão bastante incomum: sua própria vida.

"Palavra escrita é lida com os olhos afoitos, impacientes; quase indiferentes, talvez". Sem papel nem caneta, resolveu fazer do gesto a sua palavra. 

"Opinião, opinião... opinião tem por toda a parte; parece que ninguém precisa de mais opinião". Resolveu fazer das atitudes os seus comentários

"Nunca entendi porque tanta pressa em propor, propor, propor. É tanto silêncio na hora em que se abrem as cortinas! Ninguém aparece para escrever a história com seus próprios atos... cá comigo, não quero mais propor nada. Quero apenas ser, ser aquilo que eu proporia. E de mim farei um laboratório, com as paredes de vidro. Serei real - se me encontrarem na rua, serei verdade, e não apenas o meu corpo agindo maquinalmente. E, sendo também presença, não estarei longe de penetrar outros universos além do meu. Farei parte das vivências de uma outra pessoa. Se no fim disso tudo eu ainda sentir que preciso me expressar, estarei apto a tal. Qualquer mensagem compreensível deve primeiro compreender aquele a quem é endereçada". Resolveu fazer da conduta o seu estilo literário, e da existência a sua própria obra.

R.

(Créditos das imagens:
http://2.bp.blogspot.com/_qFPctETAEEg/THPoRjMKEDI/AAAAAAAABD4/gdwTQ8mjTpc/s1600/untitled.bmp )