domingo, 21 de dezembro de 2008

A menina que tinha as unhas mais bonitas do mundo

21 de Dezembro de 2008. Lar da Criança "Irmã Júlia".

Era uma tarde de festa. Um domingo é sempre dia de visita; mas quando se trata do último antes do Natal, a coisa fica diferente. Mais gente se faz presente; pessoas se dispõem a imitar artistas famosos, dublando-os; há bolo e refrigerante, e clima de celebração.

Quando eu me aproximei de um pequeno canteiro, no pátio modesto onde acontecia a festa, vi o meu amigo Filipe agachado, conversando com duas crianças. Eram duas garotinhas que moravam ali, e não demoraram muito para conquistar seu coração bondoso. À medida em que me aproximava, fui notando o vivo entusiasmo na fala de meu amigo; e as duas pequenas mostravam, nos olhos radiantes, a alegria de receber daquele desconhecido tão carinhoso o afeto que provavelmente nunca experimentavam através dos pais, ausentes.

Sentei na beirada do canteiro, junto com o Filipe e as pequeninas, e perguntei a uma delas qual era o seu nome. Respondeu algo baixinho, que não consegui ouvir; mas pude ver no crachá que se chamava Maria e tinha quatro anos. O meu amigo, que acabava de dizer algo à outra menina, virou-se para Maria e lhe disse:

"Olha! Você pintou as suas unhas de azul!! Ficou muito bom."
Reparei nas unhas dela, que estavam coloridas. Era um azul cor de piscina, meio descascado em algumas partes. Os dedinhos minúsculos, com um cisquinho de unha pintada de azul. E Maria sorriu, enquanto Filipe continuava os elogios. Foi quando ele e eu fomos chamados para ajudar em alguma outra coisa, ali na festa. Antes, porém, de ir embora, ele falou para a criança:

"Você tem as unhas mais bonitas do mundo!"

* * *

Minutos depois, circulando pelo pátio, vi outros dois amigos voluntários da Casa Transitória, o Lucas e o Rafael, "fazendo festa" para a pequena Maria. Num gesto espontâneo, ela mostrou as mãos para eles. Era engraçado o jeito como ela fazia; erguia as mãos na altura do rosto, com as costas da mão virada para eles. Percebendo a intenção da menina, um dos dois falou:

"Olha a unha dela, que linda!"

A menina, satisfeita, saiu andando pela festa. E mostrava as unhas para todo mundo. Aquilo tornou-se para ela uma fonte de auto-estima. Só então caiu a minha ficha de que, para uma criança que vive em um abrigo, privada do conforto, e sobretudo sem ter quem lhe dê um pouco mais de atenção (embora o pessoal do Lar seja extremamente dedicado, existem mais de 60 crianças para cuidar), talvez auto-estima seja algo mais valioso que oxigênio.

Antes de eu ir embora, ainda encontrei Maria uma última vez. E advinhe o que ela me mostrou...

* * *

A felicidade verdadeira não se faz sozinha. Muitas vezes é preciso que alguém te diga o quanto a sua presença traz alegria, o quanto é belo o seu sorriso, o quanto é bom poder contar contigo, e até mesmo como são bonitas as suas unhas...
Se nós temos o poder de fazer uma pessoa mais feliz com um simples elogio, que nada mais é do que um reconhecimento sincero de algo positivo que ela possui, então por que não fazer isso o tempo todo? Por que desperdiçar a chance de distribuir alegrias e fazer com que outras pessoas se sintam bem?

É mais uma lição que entra para o meu caderno...

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Sonho de Padaria

Quando eu era criança, entrei numa padaria.

E vi um balcão cheio de doces. No fundo, uma prateleira espelhada com vários tipos de pão. O teto de madeira, com luminárias, fazia do ambiente um lugar aconchegante. Era Dezembro; luzinhas natalinas enfeitavam o contorno das portas, um papai noel pendurava-se no alto de um armário. A noite já tinha caído, e a padaria estava cheia de gente, a rua estava cheia de gente, a cidade estava cheia de gente.

E eu, agarrado ao braço da minha mãe, lhe fiz um único pedido: queria aquele sonho, aquela coisa cremosa e mágica que repousava solitária na bandeja; aquele sonho que eu vislumbrava pelo vidro do balcão. Num gesto que só as mães têm, ela pediu para a mocinha embrulhar o sonho que encantaria a mesa do nosso café da noite.



E naquela noite eu me lambusei naquele doce; adormeci com os dentes cheios de creme e acordei há alguns dias, numa cidade já nem tão cheia de luzes, nem tão cheia de gente. Num lugar onde os balcões de padaria parecem todos iguais, infestados de pães duros ou emborrachados demais; onde o amor se esconde atrás dos olhos ansiosos de uma humanidade carente...

Olhei para cima num ato instintivo. Quando a coisa aperta, sempre olhamos para cima. Quis descobrir se ainda existiam crianças que se lambuzavam em sonhos de padaria; quis saber se o mundo sempre foi desse jeito, se eu é que ainda tenho os dentes sujos de creme enquanto o mundo tem bafo de cebola.

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