sábado, 25 de abril de 2009

A Saga da Música no Cativeiro da Flauta


Por que a música toca tanto o nosso sentimento? Existe uma explicação para a beleza, a ternura e a saudade que se aconchega em nossa alma quando ouvimos uma canção?

Existe.

Toda música se alimenta de um sonho: entrar pelos ouvidos de alguém e repousar em sua alma. Se ninguém a escutar, ela jamais habitará a memória de uma pessoa, trazendo lembranças de um instante bom; jamais trará riso a um rosto amigo; nunca será cantada ao ouvido de alguém que se ama antes de dormir.

Uma música precisa precisa fazer parte de uma vida. Somente assim sua existência ganha sentido.

E as músicas, antes de atingirem esse ponto alto de suas vidas, esperam pacientemente dentro dos instrumentos. Convivem com as outras músicas não-tocadas; conversam sobre aquelas que já tiveram a felicidade de serem ouvidas, e se alimentam da esperança de que um dia terão a sua oportunidade.

Então, sem dar aviso, chega o instante em que uma canção é chamada a realizar o grande sonho! Por um lado, a felicidade que não tem mais fim; por outro, a despedida. E como não há despedida sem saudade, a música que vai chora por deixar o convívio daquelas que ficam.

Daqui de fora, nos emocionamos sem saber como é belo momento que está diante de nós.

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Alguns dizem que a história do Universo já está escrita desde o início, e que se estamos vivendo hoje, é porque Deus está relendo a sua obra, exatamente no trecho em que se encontra a nossa vida.

O que sei é que existia uma música que esperava, há muito tempo, dentro de uma flauta. Já tinha assistido a muitas despedidas de companheiras suas, que partiam entre o riso e a lágrima, para ganhar lar nas almas nas pessoas. Viu o tubo da flauta ser soprado, inúmeras vezes; mas nenhuma foi para lhe carregar e dar liberdade. Sem se queixar, ficou ali, esperando, pois sabia que o seu momento ainda viria.


Certo dia, sentiu uma angústia profunda. Tinha a sensação de que já deveria ter sido tocada, e um leve desespero começou a acompanhar a idéia de que talvez tivessem se esquecido dela.

Resolveu compartilhar suas preocupações com a flauta, e esta lhe respondeu:

- Desculpe, mas eu não posso fazer nada. Sou mero instrumento, apenas obedeço à vontade do flautista. Além disso, você não é a única nessa situação... há tantas músicas não-tocadas por aí!

A música, então, ficou calada. Permaneceu duas semanas pensativa, até que resolveu falar novamente com a flauta, e ouviu como resposta:

- Já que a sua insistência é muito grande, creio que precisarei ser mais direta. Na minha opinião, você jamais será tocada.

- Não pode ser! - respondeu a música - Eu tenho fé no flautista, acredito que mais cedo ou mais tarde ele irá me tocar.

- Pois então vou te contar: - disse a flauta com sinceridade - é verdade que às vezes ele pensa em te tocar. Mas quando isso acontece, logo se sente forçado a abandonar a idéia. As pessoas que vivem ao redor dele não estão acostumadas a vê-lo tocando músicas como você, e isso poderia chocá-las. Saiba que se estou te falando isso, não é com a intenção de te magoar. Porém, é preciso ser franca para que não crie falsas expectativas.

- Mas... - a música sustentava a esperança - eu sinto que não sou apenas uma música qualquer, no meio de tantas outras... eu devo significar algo mais para esse flautista, pois sei de alguma forma que na alma dele tem um espaço que somente eu poderei preencher...

Enquanto a flauta e a música travavam essa dolorosa conversa, a mesma atmosfera tensa cobria o mundo íntimo do flautista. Sem que ele soubesse ao certo o quê, desejava algo intensamente; ao mesmo tempo, tinha medo de descobrir o que era. No fundo, pressentia que havia uma bela e surpreendente melodia por vir, mas temia a reação das pessoas. Foi contendo, suprimindo, sufocando aquele sentimento dentro de si o quanto pôde.


- Infelizmente - disse a flauta em tom conselheiro - a vida é assim. Certas músicas jamais saem de dentro da flauta. Muitas vezes as pessoas passam a vida inteira com uma lacuna, um pedacinho vazio no coração, sem saber o por quê. É o espaço que pertence a uma música não-tocada. Pode parecer uma imperfeição do Universo, mas é o que acontece.

- Flauta, - perguntou a música - você acredita em destino?

- Não, - respondeu a flauta com ceticismo - isso é bobagem. A vida está sendo construída nesse exato instante. Não existe um projeto pré-existente, tudo será conforme as escolhas das pessoas.

- Então não existe motivo para afirmar que eu não serei tocada! - concluiu a música - Não há nada escrito, nem determinado, que obrigue o flautista a rejeitar os próprios sentimentos. Por mais que ele se sinta pressionado a calar a voz do próprio coração, ele pode optar por, em vez disso, mandar que se cale o mundo, para que sua alma possa cantar.

- E se eu tivesse respondido que acredito em destino? - retrucou a flauta.

- Bom, - pensou a música - nesse caso eu diria que, se tudo está escrito, não há obstáculo grande o suficiente para impedir uma coisa de acontecer, se essa coisa tiver mesmo que acontecer. Veja que, em algum momento, o Criador me idealizou e me deu uma tarefa. Colocou-me neste tubo e me deixou apenas esperando o momento em que o flautista me dará vida e permitirá que eu entre pelos seus ouvidos e repouse em sua alma. E algo me diz que esse momento chegou...

O flautista, então, quando deu por si, já tinha os lábios encostados na boquilha da flauta e soprava as primeiras notas daquela linda música que custara a sair, sob os olhares curiosos de uma pequena multidão. Se o destino existe, poder-se-ia dizer que estava se cumprindo. O flautista fez a escolha que deveria ter feito. Porém, se não há nada escrito, a história acabava de tomar um rumo totalmente inesperado, e dali para frente tudo era um mistério. E o mistério encanta as pessoas que gostam de viver...


Raul França, 25/04/09

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Pra me confessar...





Ah, delícia... a gente leva cada caldo da vida, e assim vamos aprendendo.

Estamos lá, cheios de certezas. Cheíssimos, - permitam-me colocar gordura nisso - abarrotados, saturados e transbordando certezas.

Quem tem certezas, faz julgamentos. Aponta com o dedão a situação alheia e acredita ter o remédio pra todo mal que há na vida... apenas porque tem "certezas".

Como já previa Luís Fernando Veríssimo, "quando achamos que temos todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas".

E então... cadê meu chão?